Artigo: A nova agenda federal de prevenção e enfrentamento ao assédio e discriminação
Decreto e portarias fazem avançar programa de combate ao assédio na Administração Pública federal
por Eliane Cesário
O Decreto 12.122 ( https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/decreto/d12122.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2012.122%2C%20DE%2030,federal%20direta%2C%20aut%C3%A1rquica%20e%20fundacion ) instituiu o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação, representando o primeiro resultado do Grupo de Trabalho Interministerial. O programa destaca a atenção especial a grupos historicamente vulneráveis, como mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+, idosos e pessoas com deficiência, incluindo medidas específicas para trabalhadores e trabalhadoras terceirizados.
A agenda federal representou um avanço significativo no combate à violência no trabalho, especialmente por estar alinhada à Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ela ressalta o princípio da universalização dos direitos, reafirmando o direito a tratamento igual e acesso à saúde, segurança e proteção para todas as pessoas que atuam na Administração Pública federal, independentemente de seu vínculo contratual.
Para iniciar as atividades do mês de prevenção e conscientização, em campanhas como Outubro Rosa e Outubro Verde, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) publicou, em 1º de outubro, as portarias 6.719 ( https://in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mgi-n-6.719-de-13-de-setembro-de-2024-587538760 ), de 13 de setembro, e MGI/CGU 79 ( https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-mgi/cgu-n-79-de-10-de-setembro-de-2024-587501230 ), de 10 de setembro de 2024.
Essas portarias instituem o Comitê Gestor do Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação e apresentam o Plano Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação (PFPEAD), com diretrizes que devem ser seguidas por todos os órgãos da rede federal.
Os órgãos têm 120 dias para elaborar e implementar planos setoriais internos com base em eixos como gestão humanizada, criação de espaços de acolhimento, escuta ativa, orientação e acompanhamento de vítimas e testemunhas de assédio e discriminação, mitigação de riscos psicossociais, proteção e confidencialidade para denunciantes, não revitimização e compromisso com a eficácia da política ampla.
Há mais de 13 anos, atuamos no Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) em temas relacionados a essa questão. O sindicato colheu frutos significativos com a categoria e a Alta Administração do Ministério das Relações Exteriores. Durante esse período, a entidade mapeou e acompanhou casos, realizou pesquisas e fiscalizou ações. Em 2017, acionou o Ministério Público do Trabalho para implementar uma política interna no MRE, resultando na criação da primeira Comissão de Prevenção ao Assédio e Discriminação (CPADIS) do Poder Executivo federal.
As ações identificaram, ademais, um problema estrutural: os casos isolados evidenciavam uma cultura institucional e ambientes de trabalho propícios ao assédio, comprometendo a saúde mental e física dos servidores da diplomacia brasileira.
A pauta adquiriu status de campanha permanente devido aos riscos enfrentados por toda a coletividade, como a carga excessiva de trabalho, abuso de poder, centralização da tomada de decisões, falta de autonomia, espaço para fala e participação, além de conflitos interpessoais e de carreira que, até hoje, se apresentam como desafios a serem superados, criando um terreno fértil para ambientes hostis.
Por um tempo, a cultura na instituição justificava a negação do problema, o que configurava uma violência, levando ao adoecimento e ao silenciamento dos vulneráveis. As desigualdades de carreira, raça e gênero demandavam atenção e ações efetivas. Com a realidade social se impondo, as unidades de correição e investigação tiveram que se profissionalizar para lidar com os casos.
Atualmente, tanto no Sinditamaraty quanto no MRE, existem núcleos especializados para acolhimento, orientação e tratamento de casos de assédio e discriminação. Nesse contexto, a agenda macro do PFPEAD funciona como uma bússola para fomentar a confiança das pessoas nos canais institucionais, encorajando-as a quebrar o silêncio.
A saudosa e sempre presente Margarida Barreto já nos ensinava que "assédio é uma forma de administrar". Portanto, é essencial identificar e enfrentar disfunções históricas, assim como práticas e comportamentos característicos de uma gestão rígida, hierárquica, vaidosa, segregadora e excludente. Esse modelo não encontra espaço no novo cenário de equidade, sustentabilidade, inovação e transformação do Estado brasileiro.
A transformação na gestão é fundamental para promover mudanças, pois a ausência de uma gestão colaborativa pode abrir espaço para a competitividade e a violência. Portanto, a ênfase em uma gestão humanizada e inclusiva, aliada ao acolhimento, orientação e conscientização, torna-se uma ferramenta disruptiva para desafiar modelos antidemocráticos no serviço público.
Atualmente, a Administração Pública federal busca integrar integridade e diversidade por meio de processos de trabalho e decisões construídas coletivamente. O mapeamento adequado de casos e riscos oferece oportunidades para avaliar práticas e discursos que não são mais aceitáveis, exigindo lideranças capacitadas e humanizadas que não ignoram nem normalizam comportamentos abusivos e discriminatórios. É igualmente crucial evitar a banalização de conflitos ou o cumprimento de deveres, tratando-os como assédio. A regra é clara: assédio é violência!
O PFPEAD prevê ferramentas para as gerações atuais e futuras, com ações preventivas de formação e capacitação, incluindo o conhecimento dessa política já na "porta de entrada" do serviço público. Em outras palavras, esse conhecimento passa a ser parte do conteúdo dos concursos públicos, uma vez que os termos de posse exigirão a ciência da política para o exercício do cargo.
O PFPEAD traz novos ares de esperança, apesar dos grandes desafios que representa e das "dores" históricas, como os diversos "cânceres", "tumores" e "sequelas" institucionais que persistiram ao longo do tempo no serviço público. A vacina chegou, trazendo oportunidades de revolução.
Conscientização, prevenção e promoção se alinham perfeitamente aos ideais de enfrentamento, investigação, responsabilização, mobilização e revolução. O movimento sindical tem as bases para intensificar e expandir sua atuação contra todas as formas de violência no trabalho. Com esforço coletivo e muitas vozes unidas, as soluções para as crises surgirão em prol de um verdadeiro estado social democrático de direito, bem como de uma sociedade mais justa, solidária e digna.
É necessário, ainda, promover reformas internas em todas as organizações para atuar com credibilidade como protagonistas dessa nova onda social. Seja surfando ou caminhando, sigamos cantando a canção das massas e das maçãs, com a fé que nunca falha.
* Eliane Cesário é advogada e assessora sindical do Sinditamaraty
Fonte: JOTA
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