Artigo: Os muitos nós na garganta do trabalha(dor)
11/04/2017 | 15:13
Os muitos nós na garganta do trabalha(dor)
“[...]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam o nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]”
Eduardo Alves da Costa
por Caroline Sena
A história da humanidade está intimamente ligada ao conceito de trabalho e, segundo a Bíblia, Adão, o primeiro homem a povoar o planeta Terra, foi quem primeiro o vivenciou. Da leitura do livro de Gênesis consta o decreto Divino de que, da terra, ele retiraria o sustento necessário para todos os dias de sua vida. Mas nem mesmo Adão poderia imaginar quão sorrateiros eram os planos para o direito do trabalho no século XXI.
É que o adágio bíblico de semeadura e de colheita tem se cumprido ao reverso do que foi arduamente plantado nos últimos anos, em prol do trabalhador.
No seio deste solo, no começo do século XX, a classe operária começou a se insurgir, para não morrer de tanto trabalhar, ou em um acidente de trabalho, ou simplesmente para não morrer de fome. Nesta época do chamado liberalismo absoluto, direitos e leis trabalhistas não estavam na pauta.
Não é por outra razão que o velho liberalismo, reconstruído na segunda metade do século XX, evitava buscar inspiração nos mais notáveis clássicos liberais de fins do século XVIII e início do século XIX, como Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), uma vez que estes ainda firmaram suas reflexões em torno do valor-trabalho.[1]
Foram necessários vários anos de greves, manifestações, exílio e morte para Consolidar as Leis do Trabalho, em 1943. O Brasil, sob o comando de Getúlio Vargas, vivia o fim da República Velha. E desde aquele tempo, os patrões se recusavam a dar crédito à luta operária e se utilizavam dos canais de comunicação para desmistificá-la.
Sobreveio o árduo período de 21 anos de ditadura (1964-1985) e com ela militares e patrões impuseram, outra vez, o silêncio, calando as reivindicações da classe operária, quer oriundas do campo, quer da cidade.
Com o enfraquecimento da ditadura, o espírito de luta tomou fôlego e ressurgiu; partidos políticos foram legalizados, em meio a outros que livremente nasceram, e, pela primeira vez, se criou uma Central Sindical única no país. O Brasil passou a ser falado no mundo por suas greves e suas assembleias-monstro.[2]
E a década de 80, tão impulsionada pela militância, também foi palco de uma transição perigosa para o mundo do trabalho, fundada no neoliberalismo, que tinha fome de retirada de direitos e sede de privatizações.
O primado do trabalho e do emprego, uma das principais conquistas do mundo ocidental capitalista, passou a ser alvo de um projeto de desconstrução, amparado na criação de condições cada vez mais favoráveis aos investimentos privados e cada vez menos comprometidos com o trabalhador. Todos os esforços orbitavam para a gestão da moeda.
E nessa quadra do tempo, a natureza estrutural do desemprego, associada às inovações tecnológicas, passou a reger um novo capitalismo, em que não apenas a relação empregatícia, mas a própria realidade do trabalho foram colocadas em xeque. A primazia da iniciativa privada se impôs sobre a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais dos trabalhadores.
Não parece redundante dizer que, em pleno século XXI, se está a reviver as lutas e as pautas do século passado. A mãe, outrora gentil, agora é responsável por implementar uma série de pacotes de maldades, capaz de causar inveja aos maiores roteiristas de filme de terror. Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações[3].
O projeto de terceirização, a reforma trabalhista e a reforma da previdência são o retrato do maior desmonte pretendido por um Estado que se intitula Democrático de Direito. Democracia para o capital. Direito para o empresariado. E dor para o trabalha(dor).
A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil, foram covardemente ignorados, como se não constassem do texto constitucional. Os “fatores reais de poder” conseguiram transformá-los em simples folha de papel. Não se pode dizer que Ferdinand Lassalle não advertiu.
A sequência de golpes ao primado do trabalho não pretendeu ser suave. E, a recente aprovação da terceirização, de forma ampla e irrestrita, constitui uma afronta, não apenas à Justiça do Trabalho, mas à própria democracia, quer pela ausência de diálogo com os setores envolvidos, quer pela ausência de transparência do parlamento brasileiro.
A terceirização, permitida também nas atividades-fim de uma empresa, legitima a precarização do mundo do trabalho e esfacela as perspectivas das gerações vindouras, cujas inserções no mercado poderão se dar da forma mais indigna possível.
Em outras palavras, a contratação poderá se dar sem a garantia de férias, décimo-terceiro, licença-maternidade, abono salarial e outros direitos trabalhistas. A ampliação do trabalho temporário, de três para nove meses agrava ainda mais esse cenário. E por ironia do destino, nove meses é o tempo natural de uma gestação. Do ventre da terceirização ampla e irrestrita qualquer coisa pode ser gerada, menos dignidade.
Em um piscar de olhos, por 231 votos a favor, 188 votos contrários e 8 abstenções, passou a ser possível para a brava gente brasileira retroceder no tempo e revisitar o modo oligárquico-patrimonial do capitalismo, ancorado na exploração da força de trabalho e na barbárie salarial.
O projeto agrava o quadro em que hoje se encontram aproximadamente 12 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de contratados diretamente, números que podem ser invertidos.[4]
No ápice da coisificação da pessoa humana, num só golpe, trabalhador e Justiça do Trabalho foram feridos de morte. Mas a recém aprovada terceirização, por si só, não foi capaz de saciar o capital, que conta com o reforço da proposta de reforma trabalhista. Esta, por sua vez, introduz os pilares de uma futura reforma sindical.
Muitos são, portanto, os nós na garganta verde e amarela. E muitos são os argumentos falaciosos de um governo que transfere para o trabalha(dor) a sua própria culpa pela adoção de medidas inoportunas e insuficientes a conter a crise econômica, social, política e moral por ele vivida.
Os principais eixos que reputam “imperiosa” a reforma trabalhista tentam induzir a erro o trabalhador e avançam sob a premissa de que: a) haverá a consolidação de direitos e não a sua retirada; b) a reforma gerará empregos e crescimento econômico; c) gerará segurança jurídica; d) diminuirá o número de processos trabalhistas; e) modernizará a legislação ultrapassada.
Tais argumentos podem ser facilmente refutados, sobretudo quando ressai, de forma clarividente, que a reforma, além de flexibilizar os direitos, por meio dos contratos por tempo parcial e contratos temporários, permite o aumento da jornada e redução de salários, bem como a retirada de outros tantos direitos, por meio da negociação coletiva, que passará a se sobrepor à legislação trabalhista.
Melhor sorte não encontra o argumento que apresenta a reforma trabalhista como medida necessária ao crescimento econômico e aumento do número de empregos. Isto porque ignora o fato de que períodos pujantes de crescimento econômico e social em nosso país se deram sob a égide da mesma legislação que agora se rejeita.
Ignora, ainda, os resultados de países como Espanha e México, que, ao flexibilizarem a proteção do trabalhador, não obtiveram geração de emprego, tampouco redução da taxa de desemprego[5].
Outros argumentos, covardes e desprovidos de veracidade, apontam o excesso de judicialização na Justiça do Trabalho, mesmo sabedores de que o direito do trabalho e sua justiça especializada foram frutos de uma árdua conquista, que buscou conferir o necessário equilíbrio entre empregador e trabalhador, mormente pelo fato de que aproximadamente 46,5% das ações ajuizadas na Justiça do Trabalho buscam, apenas, o pagamento correto das verbas rescisórias. Bastaria verificar os dados do Conselho Nacional de Justiça para saber que a Justiça do Trabalho está bem abaixo das Justiças Comuns e Federal em número de processos[6]:
Não é a legislação trabalhista, portanto, algoz da retração econômica. A crise vivida passa por outros fatores, que envolvem a ausência de uma reforma política, esta sim mãe de todas as reformas, e possível freio da cultura da corrupção tão internalizada no parlamento brasileiro. Passa, ainda, pela ausência de uma reforma tributária. São estas as reformas necessárias à retomada da confiança internacional.
Ademais, dos 510 artigos que integram o Direito Individual do Trabalho, apenas 75 permanecem com a redação original, ou seja, 14,7% do total da Consolidação das Leis do Trabalho, o que coloca uma pá de cal no argumento da necessidade de modernização da legislação trabalhista.
Não se pode deixar de anotar, enfim, que o processo histórico testemunha que o direito posto no mundo do trabalho está em permanente mudança, evoluindo ou regredindo a depender da forma com que o direito rebelado se faz norma; reacionário se fundado no ter ou revolucionário se focado no ser. Daí porque uma legislação inacabada, salvo quando um dia revogada a exploração da pessoa humana.[7]
Desatar os nós da garganta do trabalha(dor), neste tempo em que o primado do capital se agiganta, requererá, mais do que nunca, a unidade da luta e da resistência. O trabalho, como fator de dignidade da pessoa humana, jamais poderá impingir dor e sofrimento. Tampouco poderá levar a culpa pelas mazelas que não causou.
Verás que um filho teu não foge à luta, mais do que trecho do hino nacional, deverá servir de norte para que nenhum direito se perca, mesmo se for preciso recomeçar a batalha dos séculos XIX e XX, em pleno século XXI.
Trabalhadores e trabalhadoras, uni-vos!
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo. Editora LTr. 3ª tiragem. 2008. página 31.
[2] GIANNOTTI, Vito. Lutas operárias no Brasil. Livro-agenda Lutadores e Lutadoras na História do Brasil. NPC. 2016.
[3] Trecho da música Vai Passar de Chico Buarque.
[4] Terceirização: Anamatra lamenta aprovação de projeto de lei que libera a prática em todas as atividades da empresa. Disponível em:<http://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/25081-terceirizacao-anamatra-lamenta-aprovacao-de-projeto-de-lei-que-libera-a-pratica-em-todas-as-atividades-da-empresa> Acesso em 28 de março de 2017.
[5] Estudos do World Employment and Social Outlook 2015, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentados pelo Procurador do Trabalho, Ângelo Fabiano Farias da Costa, em audiência pública realizada na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Distrito Federal, em 27 de março de 2017.
[6] Dados extraídos do sítio do Conselho Nacional de Justiça.
[7] BRITTO, Cezar. A contratação do advogado sindical: breve estudo. Belo Horizonte. RTM. 2014. pág. 50.
* Caroline Sena é advogada sindical,
Secretária-Geral Adjunta da Comissão de Direito Sindical e Associativo da OAB/DF, Pós-graduanda em Direito Sindical pelo IESB
“[...]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor do nosso jardim
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam o nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]”
Eduardo Alves da Costa
por Caroline Sena
A história da humanidade está intimamente ligada ao conceito de trabalho e, segundo a Bíblia, Adão, o primeiro homem a povoar o planeta Terra, foi quem primeiro o vivenciou. Da leitura do livro de Gênesis consta o decreto Divino de que, da terra, ele retiraria o sustento necessário para todos os dias de sua vida. Mas nem mesmo Adão poderia imaginar quão sorrateiros eram os planos para o direito do trabalho no século XXI.
É que o adágio bíblico de semeadura e de colheita tem se cumprido ao reverso do que foi arduamente plantado nos últimos anos, em prol do trabalhador.
No seio deste solo, no começo do século XX, a classe operária começou a se insurgir, para não morrer de tanto trabalhar, ou em um acidente de trabalho, ou simplesmente para não morrer de fome. Nesta época do chamado liberalismo absoluto, direitos e leis trabalhistas não estavam na pauta.
Não é por outra razão que o velho liberalismo, reconstruído na segunda metade do século XX, evitava buscar inspiração nos mais notáveis clássicos liberais de fins do século XVIII e início do século XIX, como Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), uma vez que estes ainda firmaram suas reflexões em torno do valor-trabalho.[1]
Foram necessários vários anos de greves, manifestações, exílio e morte para Consolidar as Leis do Trabalho, em 1943. O Brasil, sob o comando de Getúlio Vargas, vivia o fim da República Velha. E desde aquele tempo, os patrões se recusavam a dar crédito à luta operária e se utilizavam dos canais de comunicação para desmistificá-la.
Sobreveio o árduo período de 21 anos de ditadura (1964-1985) e com ela militares e patrões impuseram, outra vez, o silêncio, calando as reivindicações da classe operária, quer oriundas do campo, quer da cidade.
Com o enfraquecimento da ditadura, o espírito de luta tomou fôlego e ressurgiu; partidos políticos foram legalizados, em meio a outros que livremente nasceram, e, pela primeira vez, se criou uma Central Sindical única no país. O Brasil passou a ser falado no mundo por suas greves e suas assembleias-monstro.[2]
E a década de 80, tão impulsionada pela militância, também foi palco de uma transição perigosa para o mundo do trabalho, fundada no neoliberalismo, que tinha fome de retirada de direitos e sede de privatizações.
O primado do trabalho e do emprego, uma das principais conquistas do mundo ocidental capitalista, passou a ser alvo de um projeto de desconstrução, amparado na criação de condições cada vez mais favoráveis aos investimentos privados e cada vez menos comprometidos com o trabalhador. Todos os esforços orbitavam para a gestão da moeda.
E nessa quadra do tempo, a natureza estrutural do desemprego, associada às inovações tecnológicas, passou a reger um novo capitalismo, em que não apenas a relação empregatícia, mas a própria realidade do trabalho foram colocadas em xeque. A primazia da iniciativa privada se impôs sobre a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais dos trabalhadores.
Não parece redundante dizer que, em pleno século XXI, se está a reviver as lutas e as pautas do século passado. A mãe, outrora gentil, agora é responsável por implementar uma série de pacotes de maldades, capaz de causar inveja aos maiores roteiristas de filme de terror. Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações[3].
O projeto de terceirização, a reforma trabalhista e a reforma da previdência são o retrato do maior desmonte pretendido por um Estado que se intitula Democrático de Direito. Democracia para o capital. Direito para o empresariado. E dor para o trabalha(dor).
A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, fundamentos da República Federativa do Brasil, foram covardemente ignorados, como se não constassem do texto constitucional. Os “fatores reais de poder” conseguiram transformá-los em simples folha de papel. Não se pode dizer que Ferdinand Lassalle não advertiu.
A sequência de golpes ao primado do trabalho não pretendeu ser suave. E, a recente aprovação da terceirização, de forma ampla e irrestrita, constitui uma afronta, não apenas à Justiça do Trabalho, mas à própria democracia, quer pela ausência de diálogo com os setores envolvidos, quer pela ausência de transparência do parlamento brasileiro.
A terceirização, permitida também nas atividades-fim de uma empresa, legitima a precarização do mundo do trabalho e esfacela as perspectivas das gerações vindouras, cujas inserções no mercado poderão se dar da forma mais indigna possível.
Em outras palavras, a contratação poderá se dar sem a garantia de férias, décimo-terceiro, licença-maternidade, abono salarial e outros direitos trabalhistas. A ampliação do trabalho temporário, de três para nove meses agrava ainda mais esse cenário. E por ironia do destino, nove meses é o tempo natural de uma gestação. Do ventre da terceirização ampla e irrestrita qualquer coisa pode ser gerada, menos dignidade.
Em um piscar de olhos, por 231 votos a favor, 188 votos contrários e 8 abstenções, passou a ser possível para a brava gente brasileira retroceder no tempo e revisitar o modo oligárquico-patrimonial do capitalismo, ancorado na exploração da força de trabalho e na barbárie salarial.
O projeto agrava o quadro em que hoje se encontram aproximadamente 12 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de contratados diretamente, números que podem ser invertidos.[4]
No ápice da coisificação da pessoa humana, num só golpe, trabalhador e Justiça do Trabalho foram feridos de morte. Mas a recém aprovada terceirização, por si só, não foi capaz de saciar o capital, que conta com o reforço da proposta de reforma trabalhista. Esta, por sua vez, introduz os pilares de uma futura reforma sindical.
Muitos são, portanto, os nós na garganta verde e amarela. E muitos são os argumentos falaciosos de um governo que transfere para o trabalha(dor) a sua própria culpa pela adoção de medidas inoportunas e insuficientes a conter a crise econômica, social, política e moral por ele vivida.
Os principais eixos que reputam “imperiosa” a reforma trabalhista tentam induzir a erro o trabalhador e avançam sob a premissa de que: a) haverá a consolidação de direitos e não a sua retirada; b) a reforma gerará empregos e crescimento econômico; c) gerará segurança jurídica; d) diminuirá o número de processos trabalhistas; e) modernizará a legislação ultrapassada.
Tais argumentos podem ser facilmente refutados, sobretudo quando ressai, de forma clarividente, que a reforma, além de flexibilizar os direitos, por meio dos contratos por tempo parcial e contratos temporários, permite o aumento da jornada e redução de salários, bem como a retirada de outros tantos direitos, por meio da negociação coletiva, que passará a se sobrepor à legislação trabalhista.
Melhor sorte não encontra o argumento que apresenta a reforma trabalhista como medida necessária ao crescimento econômico e aumento do número de empregos. Isto porque ignora o fato de que períodos pujantes de crescimento econômico e social em nosso país se deram sob a égide da mesma legislação que agora se rejeita.
Ignora, ainda, os resultados de países como Espanha e México, que, ao flexibilizarem a proteção do trabalhador, não obtiveram geração de emprego, tampouco redução da taxa de desemprego[5].
Outros argumentos, covardes e desprovidos de veracidade, apontam o excesso de judicialização na Justiça do Trabalho, mesmo sabedores de que o direito do trabalho e sua justiça especializada foram frutos de uma árdua conquista, que buscou conferir o necessário equilíbrio entre empregador e trabalhador, mormente pelo fato de que aproximadamente 46,5% das ações ajuizadas na Justiça do Trabalho buscam, apenas, o pagamento correto das verbas rescisórias. Bastaria verificar os dados do Conselho Nacional de Justiça para saber que a Justiça do Trabalho está bem abaixo das Justiças Comuns e Federal em número de processos[6]:
Não é a legislação trabalhista, portanto, algoz da retração econômica. A crise vivida passa por outros fatores, que envolvem a ausência de uma reforma política, esta sim mãe de todas as reformas, e possível freio da cultura da corrupção tão internalizada no parlamento brasileiro. Passa, ainda, pela ausência de uma reforma tributária. São estas as reformas necessárias à retomada da confiança internacional.
Ademais, dos 510 artigos que integram o Direito Individual do Trabalho, apenas 75 permanecem com a redação original, ou seja, 14,7% do total da Consolidação das Leis do Trabalho, o que coloca uma pá de cal no argumento da necessidade de modernização da legislação trabalhista.
Não se pode deixar de anotar, enfim, que o processo histórico testemunha que o direito posto no mundo do trabalho está em permanente mudança, evoluindo ou regredindo a depender da forma com que o direito rebelado se faz norma; reacionário se fundado no ter ou revolucionário se focado no ser. Daí porque uma legislação inacabada, salvo quando um dia revogada a exploração da pessoa humana.[7]
Desatar os nós da garganta do trabalha(dor), neste tempo em que o primado do capital se agiganta, requererá, mais do que nunca, a unidade da luta e da resistência. O trabalho, como fator de dignidade da pessoa humana, jamais poderá impingir dor e sofrimento. Tampouco poderá levar a culpa pelas mazelas que não causou.
Verás que um filho teu não foge à luta, mais do que trecho do hino nacional, deverá servir de norte para que nenhum direito se perca, mesmo se for preciso recomeçar a batalha dos séculos XIX e XX, em pleno século XXI.
Trabalhadores e trabalhadoras, uni-vos!
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo. Editora LTr. 3ª tiragem. 2008. página 31.
[2] GIANNOTTI, Vito. Lutas operárias no Brasil. Livro-agenda Lutadores e Lutadoras na História do Brasil. NPC. 2016.
[3] Trecho da música Vai Passar de Chico Buarque.
[4] Terceirização: Anamatra lamenta aprovação de projeto de lei que libera a prática em todas as atividades da empresa. Disponível em:<http://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/25081-terceirizacao-anamatra-lamenta-aprovacao-de-projeto-de-lei-que-libera-a-pratica-em-todas-as-atividades-da-empresa> Acesso em 28 de março de 2017.
[5] Estudos do World Employment and Social Outlook 2015, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentados pelo Procurador do Trabalho, Ângelo Fabiano Farias da Costa, em audiência pública realizada na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Distrito Federal, em 27 de março de 2017.
[6] Dados extraídos do sítio do Conselho Nacional de Justiça.
[7] BRITTO, Cezar. A contratação do advogado sindical: breve estudo. Belo Horizonte. RTM. 2014. pág. 50.
* Caroline Sena é advogada sindical,
Secretária-Geral Adjunta da Comissão de Direito Sindical e Associativo da OAB/DF, Pós-graduanda em Direito Sindical pelo IESB